Ao integrar saberes ancestrais e práticas pedagógicas atuais, essas instituições se consolidam como referências capazes de influenciar políticas públicas e de apontar caminhos para uma educação mais inclusiva.
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O portal Porvir apresentou experiências inspiradoras de três escolas indígenas, localizadas no Amazonas, no Paraná e no Mato Grosso, que têm construído práticas pedagógicas inovadoras ao articular saberes tradicionais e contemporâneos. Essas escolas mostram que a educação indígena, além de garantir o direito à aprendizagem, é também um espaço de preservação cultural, fortalecimento comunitário e inovação social.
No Paraná, o Colégio Estadual Indígena Cacique Gregório Kaekchot, localizado em Manoel Ribas, é a maior escola indígena do estado, com 934 estudantes do povo Kaingang matriculados desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, incluindo a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e cursos profissionalizantes. A instituição se destaca pela forte participação comunitária: lideranças indígenas, professores e agentes educacionais colaboram para a gestão escolar, a definição do currículo, o calendário letivo e os projetos pedagógicos. Esse protagonismo comunitário garante que a escola não apenas siga a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas também valorize a realidade cultural Kaingang, incorporando sua língua, sua forma de compreender a natureza e suas práticas sociais em disciplinas como Língua Portuguesa, Geografia, Ciências e Educação Física. As aulas são bilíngues, ministradas em português e kaingang, e incluem inglês a partir do 6º ano. Além disso, a escola oferece cursos de programação e robótica no Ensino Médio, aproximando os jovens das tecnologias digitais. Um marco importante foi a criação, em 2023, de um curso técnico integrado para a formação de professores indígenas, que fortalece a autonomia da comunidade na condução da própria educação.
No Amazonas, a Escola Baniwa Eeno Hiepole, de Tempo Integral, está situada na Terra Indígena Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, e atende 150 alunos do povo Baniwa, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. A jornada escolar é de sete horas diárias, e o Ensino Médio é realizado em parceria com uma escola da cidade. O projeto pedagógico considera a aldeia inteira um espaço de aprendizagem, reconhecendo que a transmissão de saberes acontece também em rituais, atividades comunitárias e no contato direto com a natureza. Desde 2021, a escola integra o programa Escolas 2030, em parceria com a Ashoka e a Faculdade de Educação da USP, que busca alinhar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ao currículo. Nesse contexto, os alunos desenvolvem projetos de impacto comunitário, como iniciativas de saneamento básico, energia sustentável, monitoramento ambiental e uso de canoas solares, unindo ciência moderna e conhecimentos tradicionais. O corpo docente é majoritariamente indígena, e os estudantes aprendem em português e em sua língua materna, fortalecendo o bilinguismo como prática cotidiana. Além disso, a produção de textos, vídeos e materiais multimídia aproxima os jovens das linguagens contemporâneas ao mesmo tempo que preserva e valoriza sua identidade cultural.
Já no Mato Grosso, a Escola Municipal Indígena Wazare, localizada na Terra Indígena Utiariti, em Campo Novo do Parecis, foi inaugurada em 2012 e atualmente atende alunos em uma turma multisseriada que vai da Educação Infantil ao 4.º ano. Embora pequena, a escola é um exemplo de resistência e valorização cultural. A professora, responsável por todas as disciplinas, dedica parte significativa das aulas ao ensino da língua Haliti Zako, desde o alfabeto até termos usados no cotidiano, com o objetivo de produzir material didático bilíngue que registre e fortaleça a língua materna. As práticas pedagógicas são complementadas por vivências culturais, como a pintura corporal, a alimentação tradicional, o uso de vestimentas típicas e visitas às aldeias de origem, o que garante que o processo educativo esteja integrado à vida comunitária. Recentemente, a escola recebeu acesso à internet, computadores e projetor, o que possibilitou novas práticas pedagógicas e fortaleceu o vínculo com a comunidade. Além disso, desde 2024, uma parceria com o Sebrae incentiva o empreendedorismo por meio do artesanato sustentável, valorizando a cultura local e gerando oportunidades de renda.
Essas três experiências evidenciam tanto os avanços quanto os desafios da educação indígena no Brasil. Segundo o Censo Escolar de 2024, existem 3.608 escolas de educação indígena no país, sendo 97% em áreas rurais e 56% com até cinquenta alunos. O número de matrículas cresceu nos últimos dez anos, passando de 240 mil para 294 mil. Contudo, as condições estruturais ainda são desiguais: apenas 44% das escolas têm acesso à internet (e em apenas 20% esse acesso chega efetivamente aos estudantes), 12% contam com biblioteca e 7% dispõem de laboratório de informática. Além disso, a oferta de educação integral indígena corresponde a apenas 7% das matrículas nessa modalidade, enquanto no sistema geral esse índice chega a 21%.
Diante desse cenário, torna-se evidente que a educação indígena deve ser vista não apenas como política de acesso, mas como uma ação de valorização cultural e de garantia de direitos. As escolas destacadas mostram que é possível unir tradição e inovação, construindo uma educação que respeita a diversidade, promove a autonomia e prepara os estudantes para enfrentar os desafios contemporâneos sem renunciar à sua identidade.
Fonte: Porvir.
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